Evolução da Justiça Eleitoral no Brasil

1- 500 anos de eleições

As eleições não são uma experiência recente no País. O livre exercício do voto surgiu em terras brasileiras com os primeiros núcleos de povoadores, logo depois da chegada dos colonizadores. Foi o resultado da tradição portuguesa de eleger os administradores dos povoados sob domínio luso. Os colonizadores portugueses, mal pisavam a nova terra descoberta, passavam logo a realizar votações para eleger os que iriam governar as vilas e cidades que fundavam. Os bandeirantes paulistas, por exemplo, iam em suas missões imbuídos da idéia de votar e de serem votados. Quando chegavam ao local em que deveriam se estabelecer, seu primeiro ato era realizar a eleição do guarda-mor regente. Somente após esse ato eram fundadas as cidades, já sob a égide da lei e da ordem. Eram estas eleições realizadas para governos locais.

 

2- As primeiras eleições

As eleições para governanças locais foram realizadas até a Independência. A primeira de que se tem notícia aconteceu em 1532, para eleger o Conselho Municipal da Vila de São Vicente-SP. As pressões populares e o crescimento econômico do país, contudo, passaram a exigir a efetiva participação de representantes brasileiros nas decisões da corte. Assim, em 1821, foram realizadas eleições gerais para escolher os deputados que iriam representar o Brasil nas Cortes de Lisboa. Essas eleições duraram vários meses, devido a suas inúmeras formalidades, e algumas províncias sequer chegaram a eleger seus deputados.

 

3- Eleições livres

Até 1828, as eleições para os governos municipais obedeceram às chamadas Ordenações do Reino, que eram as determinações legais emanadas do rei e adotadas em todas as regiões sob o domínio de Portugal. No princípio, o voto era livre, todo o povo votava. Com o tempo, porém, ele passou a ser direito exclusivo dos que detinham maior poder aquisitivo, entre outras prerrogativas. A idade mínima para votar era 25 anos. Escravos, mulheres, índios e assalariados não podiam escolher representantes nem governantes.

 

4- Os partidos políticos

Os partidos políticos no Brasil têm suas origens nas disputas entre duas famílias paulistas, a dos Pires e a dos Camargos. Verdadeiros bandos, com o uso da força e da violência, eles formaram os primeiros grupos políticos rivais.
A expressão "partido político" só passou a constar nos textos legais a partir da Segunda República. Até então, só se falava em "grupos".
Admitiram-se durante muito tempo candidaturas avulsas, porque os partidos não detinham a exclusividade da indicação daqueles que iriam concorrer às eleições, o que só ocorreu após a edição do Decreto-Lei n.º 7.586 de 28 de maio de 1945, que deu aos partidos o monopólio da indicação dos candidatos.
As eleições durante o Império eram controladas pelo Imperador, por meio da Secretaria do Estado dos Negócios do Brasil, dos presidentes das províncias e da oligarquia rural.
A legislação vigente durante o Império possibilitou à opinião pública exigir eleições diretas e criticar os abusos e as fraudes. O novo quadro eleitoral levou o Conselheiro Saraiva a reformá-la, encarregando Ruy Barbosa de redigir o projeto da nova lei, de nº 3.029/1881, que ficou conhecida como Lei Saraiva. Ela aboliu as eleições indiretas e confiou o alistamento à magistratura, extinguindo as juntas paroquiais de qualificação.

 

5 - A Velha República (1889 - 1930)

A Proclamação da República inaugurou um novo período da nossa legislação eleitoral, que passou a inspirar-se em modelos norte-americanos. A primeira inovação eleitoral trazida pela República foi a eliminação do "censo pecuniário" ou "voto censitário".
Em 1890, o chefe do governo provisório, marechal Deodoro da Fonseca, promulgou o regulamento eleitoral organizado por Aristides Lobo, o Decreto 200-A, considerado a primeira lei eleitoral da República e que tratava unicamente da qualificação dos eleitores.

 

6 - Regulamento Alvim

Faltava ainda uma lei que presidisse a eleição dos constituintes, marcada para setembro. Em 23 de junho de 1890, ela foi publicada. Ficou conhecida como "Regulamento Alvim", em referência ao ministro e secretário do Estado dos Negócios do Interior, José Cesário de Faria Alvim, que a assinou.

 

7 - Eleição de Deodoro

A primeira Constituição Republicana criou o sistema presidencialista, em que o presidente e o vice-presidente deveriam ser eleitos pelo sufrágio direto da nação, por maioria absoluta de votos.
Em 15 de setembro de 1890, uma das primeiras tarefas da Constituinte foi dar respaldo ao governo provisório, promulgando a Constituição de 1891 e elegendo Deodoro da Fonseca no dia seguinte.

 

8 - A "Política dos Governadores"

Durante a Velha República, também chamada de Primeira República, prevaleceu um esquema de poder que ficou conhecido como "política dos governadores", montado por Prudente de Morais, eleito em 1894: o presidente da República apoiava os candidatos indicados pelos governadores nas eleições estaduais e estes davam suporte ao indicado pelo presidente nas eleições presidenciais.

 

9 - Coronelismo

O plano dependia da ação dos coronéis, grandes proprietários de terras cujo título derivava de sua participação na Guarda Nacional (instituição que durante o Império assegurava a ordem interna). Eles controlavam o eleitorado regional, faziam a propaganda dos candidatos oficiais, fiscalizavam o voto não secreto dos eleitores e a apuração.
O governo central também controlava a Comissão de Verificação de Poderes do Congresso, que era responsável pelos resultados eleitorais finais e pela diplomação dos eleitos.

 

10 - "Degolas"

O trabalho da Comissão de Verificação de Poderes do Congresso consistia, na realidade, em negação da verdade eleitoral, pois representava a etapa final de um processo de aniquilamento da oposição, chamado de "degola", executado durante toda a República Velha.

 

11 - Justiça Eleitoral

Em 1916, o presidente Wenceslau Brás, preocupado com a seriedade do processo eleitoral, sancionou a Lei 3.139, que entregou ao Poder Judiciário o preparo do alistamento eleitoral.
Por confiar ao Judiciário o papel de principal executor das leis eleitorais, muitos percebem nessa atitude o ponto de partida para a criação da Justiça Eleitoral, que só viria a acontecer em 1932.

 

12 - A criação da Justiça Eleitoral

A Revolução de 1930 tinha como um dos princípios a moralização do sistema eleitoral. Um dos primeiros atos do governo provisório foi a criação de uma comissão de reforma da legislação eleitoral, cujo trabalho resultou no primeiro Código Eleitoral do Brasil.
O Código Eleitoral de 1932 criou a Justiça Eleitoral, que passou a ser responsável por todos os trabalhos eleitorais - alistamento, organização das mesas de votação, apuração dos votos, reconhecimento e proclamação dos eleitos. Além disso, regulou em todo o País as eleições federais, estaduais e municipais.

 

13 - Voto secreto

O Código introduziu o voto secreto, o voto feminino e o sistema de representação proporcional, em dois turnos simultâneos. Pela primeira vez, a legislação eleitoral fez referência aos partidos políticos, mas ainda era admitida a candidatura avulsa. Esse código já previa o uso de máquina de votar, o que só veio a se efetivar na década de 90.
A Revolução Constitucionalista de 1932 exige a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, feita pelo Decreto nº 22.621/1933, que estabeleceu que, além dos deputados eleitos na forma prescrita pelo Código Eleitoral, outros 40 seriam eleitos pelos sindicatos legalmente reconhecidos, pelas associações de profissionais liberais e de funcionários públicos.
Era a chamada representação classista.
As críticas ao Código Eleitoral de 1932 levaram, em 1935, à promulgação de nosso segundo Código, a Lei nº 48, que substituiu o primeiro sem alterar as conquistas de até então.

 

14 - Estado Novo

Em 10 de novembro de 1937, sustentado por setores sociais conservadores, Getúlio Vargas anuncia, pelo rádio, a "nova ordem" do País. Outorgada nesse mesmo dia, a "polaca", como ficou conhecida a Constituição de 1937, extinguiu a Justiça Eleitoral, aboliu os partidos políticos existentes, suspendeu as eleições livres e estabeleceu eleição indireta para presidente da República, com mandato de seis anos.
Essa "nova ordem", historicamente conhecida por Estado Novo, sofre a oposição dos intelectuais, estudantes, religiosos e empresários. Em 1945, Getúlio Vargas anuncia eleições gerais e lança Eurico Gaspar Dutra, seu ministro da Guerra, como seu candidato. Oposição e cúpula militar se articulam e dão o golpe de 29 de outubro de 1945. Os ministros militares destituem Getúlio Vargas e passam o governo ao presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares, à época também presidente do TSE, até a eleição e posse do novo presidente da República, o general Dutra, em janeiro de 1946. Era o fim do Estado Novo.
O Decreto-Lei 7.586/1945, conhecido como Lei Agamenon, em homenagem ao ministro da Justiça Agamenon Magalhães, responsável por sua elaboração, restabelece a Justiça Eleitoral, regulando em todo o País o alistamento eleitoral e as eleições. A Constituição de 18 de setembro de 1946, a exemplo da de 1934, consagra a Justiça Eleitoral entre os órgãos do Poder Judiciário e proíbe a inscriçãode um mesmo candidato por mais de um Estado.
O Código Eleitoral de 1945, que trouxe como grande novidade a exclusividade dos partidos políticos na apresentação dos candidatos, vigorou, com poucas alterações, até o advento do Código Eleitoral de 1950.
Em 1955, a Lei 2.250 cria a folha individual de votação, que fixou o eleitor na mesma seção eleitoral e aboliu, entre outras fraudes, a do uso de título falso ou de segunda via obtida de modo doloso. Outra alteração significativa do Código Eleitoral de 1950 foi a adoção da "cédula única de votação". Ambas foram sugestões do ministro Edgard Costa.
A cédula oficial guardou a liberdade e o sigilo do voto, facilitou a apuração dos pleitos e contribuiu para combater o poder econômico, liberando os candidatos de vultosos gastos com a impressão e a distribuição de cédulas.

 

15 - O regime militar

A legislação eleitoral, no período compreendido entre a deposição de João Goulart (1964) e a eleição de Tancredo Neves (1985) foi marcada por uma sucessão de atos institucionais e emendas constitucionais, leis e decretos-leis com os quais o Regime Militar conduziu o processo eleitoral de maneira a adequá-lo aos seus interesses, visando ao estabelecimento da ordem preconizada pelo Movimento de 64 e à obtenção de uma maioria favorável ao governo. Com esse objetivo, o Regime alterou a duração de mandatos, cassou direitos políticos, decretou eleições indiretas para presidente da República, governadores dos estados e dos territórios e para prefeitos dos municípios considerados de interesse da segurança nacional e das estâncias hidrominerais, instituiu as candidaturas natas, o voto vinculado, as sublegendas e alterou o cálculo para o número de deputados na Câmara, com base ora na população, ora no eleitorado, privilegiando estados politicamente incipientes, em detrimento daqueles tradicionalmente mais expressivos, reforçando assim o poder discricionário do governo.

 

16 - Lei orgânica dos partidos políticos

Em 15 de julho de 1965, é aprovada a Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei nº 4.740). Logo depois, em 27 de outubro do mesmo ano, o Ato Institucional nº 2 (AI-2) extingue os partidos políticos. Ainda no referido ano, o Ato Complementar nº 4 determinou ao Congresso Nacional a criação de organizações com atribuições de partidos políticos, o que deu origem à ARENA - Aliança Renovadora Nacional e ao MDB - Movimento Democrático Brasileiro.
O Ato Institucional nº 5 ( AI-5), de 13 de dezembro de1968, suspendeu as garantias da Constituição de 67 e ampliou os poderes ditatoriais do presidente da República, permitindo-lhe, em 1968, decretar o recesso do Congresso Nacional.
A Emenda Constitucional nº 11/78 revogou os atos institucionais e complementares impostos pelos militares e modificou as exigências para a organização dos partidos políticos. Em 19 de novembro de 1980, a Emenda Constitucional nº 15 restabeleceu as eleições diretas para governador e senador e eliminou a figura do senador biônico.
A Lei nº 6.767, de 20 de dezembro de 1979, extinguiu a ARENA e o MDB e restabeleceu o pluripartidarismo, sinalizando para o início da abertura política.

 

17 - A Nova República

A Emenda Dante de Oliveira, que previa eleição direta para presidente e vice-presidente da República, foi rejeitada em abril de 1984. Assim, a eleição do primeiro civil após o período de exceção se deu em 1985, ainda indiretamente, por meio de um colégio eleitoral.
Em 15 de maio desse ano, a Emenda Constitucional nº 25 alterou dispositivos da Constituição Federal e restabeleceu eleições diretas para presidente e vice-presidente da República, em dois turnos; eleições para deputado federal e para senador, para o Distrito Federal; eleições diretas para prefeito e vice-prefeito das capitais dos estados, dos municípios considerados de interesse da segurança nacional e das estâncias hidrominerais; aboliu a fidelidade partidária e revogou o artigo que previa a adoção do sistema distrital misto.

 

18 - A informatização da Justiça Eleitoral

A Justiça Eleitoral, instituída em 1930, sempre teve como princípio a moralização das eleições. O primeiro Código Eleitoral brasileiro, criado na mesma época, estabeleceu uma série de medidas para sanar os "vícios eleitorais". E já previa o uso da máquina de votar. A Justiça Eleitoral, agora responsável por todos os trabalhos eleitorais (alistamento, organização das mesas de votação, apuração dos votos, proclamação e diplomação dos eleitos), buscava mecanismos para garantir a lisura dos pleitos.

19 - Máquina de votar

Na década de 60, Ricardo Puntel inventou e apresentou ao TSE um modelo de máquina de votar que nunca chegou a ser usado. Imaginava-se que a neutralidade das máquinas, que não têm emoções nem ambições, não só tornaria as apurações quase que instantâneas, mas também diminuiria o volume de fraudes.
Em 1978, pioneiramente, o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais apresentou ao TSE um protótipo para a mecanização do processo eleitoral.
Após iniciativas isoladas de alguns TREs, que desenvolveram novas idéias de automação das eleições, o TRE-RS desenvolveu um projeto-piloto para a informatização do cadastro de eleitores do Rio Grande do Sul.
Em 1981, o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Moreira Alves, encaminhou ao presidente da República, João Baptista Figueiredo, anteprojeto que dispunha sobre a utilização de processamento eletrônico de dados nos serviços eleitorais.
Em 1982, a Lei nº 6.996/82 dispôs sobre a utilização do processamento eletrônico de dados nos serviços eleitorais. Três anos depois, em 1985, a Lei n 7.444 tratou da implantação do processamento eletrônico de dados no alistamento eleitoral e da revisão do eleitorado, que resultou no recadastramento de 69,3 milhões de eleitores, em 1986 a quem foram conferidos novos títulos eleitorais, agora com número único nacional.

 

20 - Totalização eletrônica

Na eleição presidencial de 1989, foi possível a totalização eletrônica dos resultados das eleições nos estados do Acre, Alagoas, Mato Grosso, Paraíba, Piauí e Rondônia.
O sucesso desse empreendimento levou à informatização do TRE de Minas Gerais, em 1991; à totalização eletrônica dos resultados das eleições municipais de 1992 em aproximadamente 1800 municípios; e à apuração eletrônica do plebiscito de 1993 em todos os municípios brasileiros. A eleição geral de 1994 também contou com totalização de votos inteiramente informatizada.

 

21 - Eleiçõs informatizadas

Somente nas eleições municipais de 1996, no entanto, é que a Justiça Eleitoral deu início ao processo de informatização do voto. Usaram a "máquina de votar", nesse ano, cerca de 33 milhões de eleitores.
Na eleição geral de 1998, o voto informatizado alcançou cerca de 75 milhões de eleitores. E no ano 2000, todos os eleitores puderam utilizar as urnas eletrônicas para eleger prefeitos e vereadores.